TRABALHO 7: Tema 20: Como as redes de comunicações mudaram as nossas vidas

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O despertador toca… aliás, a função de despertador do telemóvel… mas é apenas consequência da sua capacidade de contar quantas vezes um determinado sinal foi emitido por um gerador de tempo, não das suas capacidades de comunicação. Levanto-me. São 7 da manhã e por norma ficaria mais tempo na cama, mas o dia é especial.

Vou à sala ligar o computador. A certo ponto do processo de boot o serviço de cliente de rede sem fios arranca e fica operacional. Pouco depois o serviço de TCP/IP e o respectivo cliente de DHCP arrancam e pedem ao serviço de WiFi por um endereço. Este procura as redes disponíveis e localiza uma com um SSID com que tem relação de preferência registada. Pede para aderir mas é-lhe pedida uma chave. A chave é passada e estabelece-se uma comunicação  encriptada WEP. O Access Point WiFi com que o meu computador fala por sua vez está ligado a uma rede onde se encontra um router que também serve de servidor de DHCP. Finalmente o endereço é reservado para o endereço MAC da placa de Wifi do meu computador. Entretanto, com a tigela de cereais já na mão, dirijo-me ao teclado. CTRL ALT DEL … username  password. O computador sabe que está num domínio Microsoft e tenta contactar o controlador. Mas este está noutra rede pelo que o router tem de abrir um VPN com um outro router, seu gémeo, em Lisboa. Aliás, o router da Póvoa comunica via PPOE sobre ADSL com o SLAM da central da Telecom que coloca os pacotes a circular no seu backbone até chegarem a Lisboa, onde finalmente entram por uma linha dedicada (HDLC sobre DSL) até chegar a um router CISCO 1700 que passa os pacotes à firewall[1] que depoislança os pacotes na DMZ da rede da empresa. Nesta rede atingem finalmente o router gémeo que troca uma série de informações estabelecendo um túnel seguro de dados. Finalmente há condições de o meu computador estabelecer o contacto com o controlador de domínio da empresa e verificar as minhas credenciais[2].

Entretanto, desde o arranque do tcp/ip o computador tem vindo a activar serviços de protecção como firewall, anti-virus e anti-spyware, que isto de conectividade total é muito bonito mas há que ter cuidado com o dark side.

Assim, finalmente ligado à internet e protegido contra 99% das coisas más que me podem acontecer,  abro o meu browser preferido para aceder à página da aplicação newsmap num servidor da marumushi em Culver City, Califórnia[3]. Esta página é um caso de estudo do conceito de aplicações AJAX, pelo vem carregada com javascripts que por sua vez começam a recolher ficheiros XML de várias fontes. É o fenómeno da neutralidade de cada camada da pilha TCP/IP[4]. …. Ah finalmente: As notícias mais importantes do momento: Verde pela tecnologia, Verde claro pela frescura das noticias, quadrado grande pela quantidade de servidores que estão a espelhar a notícia… Parece que a keynote de Larry Page[5] na CES[6] foi interessante… Clico no quadrado e acedo a… como não podia deixar de ser video.google.com. Enquanto o vídeo carrega na memória temporária, peço também o download para disco.

Em poucos segundos ambas as transferências estão a dar frutos e alguém faz a introdução e começa a falar. A sua apresentação foi deslocada no espaço e no tempo com a maior das facilidades. Hoje em dias as partes móveis foram quase todas eliminadas do sistema… pergunto-me se o ficheiro que estou a receber estará em disco rígido algures ou apenas numa pool de memória cache. Uma brincadeira simplória com o google maps[7] e um carro no meio do palco… Acabo com a tigela de cerais e aumento o som das colunas antes de ir para o banho contíguo. Quando volto ainda Larry anda de um lado para o outro e já o download do ficheiro foi feito… peço a extracção do canal de áudio do ficheiro descarregado. Quando acabo de me vestir já tenho o MP3 pronto para transferir para o IPOD. Peço, antes de o fazer, que o ficheiro seja partido em pedaços de 5 minutos cada. Ah! Com esta história toda ainda não vi os emails da noite… Não que deva haver alguma coisa de interessante, mesmo neste mundo em que verdadeiramente o sol nunca se põe[8] sobre os spammers, nunca se sabe. Abro o programa de mail e ordeno a transferência de todos os cabeçalhos ao cliente IMAP. As mensagens que foram qualificadas em whitelist no servidor de SMTP/IMAP/POP são automaticamente descarregadas na íntegra, as black listed estão já “arquivadas” no /dev/null do primeiro computador por onde passaram  ao entrar na empresa; daquelas que o programa anti-spam e anti-virus no servidor não conseguiu classificar, transferem-se apenas os cabeçalhos.

Paro finalmente a recepção síncrona do evento na CES, coloco o computador em hibernação dentro da mala e vou para as aulas. São cerca das 8:10 da manhã e já interagi com dezenas de redes diferentes.

No carro coloco o IPOD na baía do auto-rádio mas em vez de lançar a versão áudio do CES verifico a data e hora do podcast mais recente do SearchCast[9]. É um programa de rádio, transmitido pelas ondas hertzianas a partir da Florida e sindicado em vários estados Americanos. Mas também emitido em simultâneo na NET e com o mp3 disponível três minutos depois do fim de cada programa. Dizem que esta tecnologia está a revolucionar a rádio (e talvez salve todos os seus profissionais da obsolescência técnica e social), mas na verdade é apenas um mashup de coisas antigas: ficheiros MP3 transferidos por http, e o aproveitamento da etiqueta enclosure do DTD do  RSS  2.0.

A referência temporal é apenas de há duas horas e o programa tem apenas 20 minutos. Maravilhoso. Lanço o playback ainda antes de meter a chave na ignição. Ao chegar à ESEIG já sei que não houve nenhuma comunicação de especial, que o Robin Williams[10] fez uma passagem pelo evento mas que isso não está no registo oficial (mas indicam onde ir buscar um vídeo privado que registou essa actuação). Estou a entrar no estacionamento da ESEIG com o podcast a terminar com a informação que mesmo assim as acções GOOG estão a subir[11].

Já na sala de aula, enquanto a professora não chega, revivo o computador e ponho-me a ler os emails. Um parece precisar de atenção. Mais uma vez, o serviço guest-E-U está vivo, mas o serviço E-U não aparece nem por nada[12]…. Portanto há que usar os recursos disponíveis. Uma placa GSM/UMTS entra no slot PCMCIA. Depois de negociar a sua posição na rede da Optimus lá consigo a ligação GPRS muito lenta (nestas salas voltadas a norte o UMTS não chega). Tento abrir o VPN directo do computador (ipSec) à empresa. Depois de quase sessenta segundos lá entro e recebo um ip interno. Digo ao programa de email para fazer a recolha do corpo daquela mensagem mas tenho de desistir. Parece haver um anexo. Desligo o programa de mail e o VPN mas não a ligação à internet. Abro uma janela do browser e acedo a um endereço que tem uma particularidade: só o meu computador (ficheiro hosts) e o servidor (uma directiva serverName no seu httpd.conf) o conhecem, pelo que é inacessível a todos os outros computadores do mundo[13].

Em poucos segundos consigo aceder à interface webmail colocado num servidor na DMZ da empresa. Este por sua vez abre um túnel autenticado e restrito ao par para o servidor interno de correio e voilá. Todos os emails à mão de semear. Finalmente verifico a tal mensagem e decido esperar pelo intervalo da aula para tratar do assunto….

Abreviando: sim, mais tarde hei-de levantar dinheiro para almoçar no Multibanco da escola; mais tarde ainda hei-de colocar-me a caminho de Lisboa por uma rede viária sob a qual foi estendida a coluna vertebral de fibra óptica que percorre o litoral do país; algures no caminho hei-de parar numa bomba de gasolina, onde sou ‘olhado’ por uma câmara que está a gravar a minha efígie num servidor, ou a meia dúzia de metros ou a dezenas de quilómetros de distância (dependendo da velocidade das comunicações que chegam à área de serviço). Logo depois do Porto serei apanhado pela Via Verde em que, mais uma vez, sou fichado, com fotografia do automóvel até sair em Lisboa[14]. Durante o trajecto usarei um GPS que sabe onde estou e quantos minutos faltam para chegar a casa[15], mas não é “rede”. É só um rádio-localizador de satélites por triangulação de tempos…  REDE são os satélites que se sincronizam entre si e sabem onde cada um dos outros está.

Quando chegar a casa terei uma carta das finanças à minha espera. Estão a cruzar dados com os computadores da segurança social e acham que precisam de esclarecimentos.

Mas o trabalho é para falar de redes e é patente que é possível continuar a fazer a presente dissertação encontrando redes e comunicação de dados a cada passo que dou na minha vida. Aliás a minha vida só é possível porque a tecnologia de redes e telecomunicações está no estágio em que está[16].

Talvez a melhor maneira de medir a importância das redes nas nossas vidas seja um pequeno exercício mental. Sem redes (e telecomunicações) viveríamos ainda condenados a trocar informação à velocidade de deslocação do cavalo. Aquele despertador com que este trabalho começa não seria um telemóvel mas um relógio de parede. Teria de esperar pelo postilhão para receber uma compilação de cartas onde eventualmente ecos de uma conferência distante seriam transcritos. Com a primeira rede de telecomunicações, personificada nos semáforos de Chappe do século XVIII venceu-se essa velocidade, apesar de ser então impensável transmitir um livro por esse mecanismo. De invenção em invenção, de descoberta em descoberta a humanidade perseguiu soluções que permitissem comunicar cada vez a maior distância e cada vez maior quantidade de informação. Hoje encontramo-nos às portas (segundo alguns já estamos no umbral) de uma revolução social mediada pelas telecomunicações: novos métodos de fazer jornalismo, medicina, guerra, educação, aprendizagem, de ser pai, de ser filho, de ser empregado e patrão, de ser cidadão e político, até de ser bibliotecário, emergem por todo o lado.

Talvez nenhum problema tenha sido completamente resolvido com a emergência desta civilização em rede; Deus sabe que o abismo digital é apenas mais uma medida do abismo social e económico entre ricos e pobres, entre países e pessoas.

Os problemas transformados ou criados pelas redes e telecomunicações são muitos: pudesse o trabalho ser mais longo falaria da great firewall of china, e como os operadores de serviços e hardware estão ao contribuir para tornar o mundo mais perigoso[17]; falaria de como a China parece ser um banco de ensaio para 1984[18]; falaria de como as gerações que cresceram com a internet à disposição parecem ter desenvolvido competências diferentes das gerações anteriores[19]; de como a internet nos trouxe a “atenção contínua parcial’[20]; falaria de como a identidade na rede é um problema cada vez maior, tanto a defesa contra a sua alteração como a imposição de não negação; falaria de como a ambient findability com que todas as nossas actividades na net são registadas farão com que os devaneios de adolescência[21] nos possam atormentar para sempre; de como hoje é possível falar de worldwide digital library, um ambiente em que se pode afirmar que se conhece tudo o que já foi escrito, e quiçá pensado, sobre qualquer assunto e da alteração de paradigma de informação que isso trará à humanidade; falaria dos perigos de perda total em caso de catástrofe em que incorremos se não nos lembrarmos de manter várias cópias do nosso conhecimento digital; de como um dia veremos a imprensa desaparecer como 4º poder, não pela emergência dos blogs[22] mas pela erosão de massa anunciante através da craigslist[23]; de como a educação, quando é possível aceder a todos os educadores do mundo e até mesmo do tempo, ganha sentidos e possibilidades completamente diferentes; de como as cassetes, digitalizadas em mp3, da “The Teaching Company”, os cursos da “Click-U” (com reconhecimento académico) da Special Librarians Association[24], ou as mais recentes experiências da American Library Association com o seu “Library 2.0 boot camp[25], ou ainda os OpenCourseWare do MIT[26] estão a dar um novo sentido ao termo aprendizagem ao “longo da vida” e “auto-didatismo”; mas enfim, foi pedido poder de síntese.

A influência das redes nas nossas vidas… é fácil! Basta um atentado terrorista de sucesso à infra-estrutura de rede (todas as redes desde a telefónica à TSF[27], tudo…) do planeta que obrigue os milhões de computadores que prestam serviço a outros computadores na rede (e a mais de mil milhões de utilizadores) se fechem de novo em silos. O atentado pode ser movido apenas por motivos criminosos, mas o efeito vai ser de terrorismo. Viagens aéreas, mercados bolsistas, partilha de informação entre os computadores dos impostos e os da segurança social, call centers em Calcutá separados dos seus clientes na Nova-Zelândia, telescópios imensos que apenas sabem apresentar resultados de forma digital, a lista é infindável… Então se verá quanto do nosso tecido social está fundamentado no funcionamento aberto de redes. Seria um mundo em que saberíamos viver? Em que os nossos filhos (aqueles que agora andam no liceu) saberiam viver?

Mas a verdade é que, apesar de vivermos próximo da matrix proposta em“Neuromancer”[28]  também vivemos dentro da sociedade global (incluindo o PDA como extensão da REDE) prevista em “Imperial Earth”[29].

Será que o verdadeiro objectivo  e propósito dos Sistemas  e Redes de Comunicação e Informação se realizem com a passagem do StarGlider[30]


[1] Um debian linux feito à medida com uma série de características particulares completamente estranhas às instalações normalizadas (e dizer mais seria quebra de segurança).

[2] Incidentalmente quando fora da empresa faço o login contra o computador local, não contra o domínio, mas era o único ponto em que podia meter esta tecnologia na história.

[3] Segundo http://visualroute.visualware.com/

[4] Havia um tipo que se vangloriava de fazer TCP/IP sobre http para furar a firewall do escritório, mas nunca vi referência fidedigna disso, apesar de teoricamente possível.

[5] http://www.cesweb.org/

[6] http://video.google.com/videoplay?docid=-594779305713074829& q=ces

[7] http://maps.google.com

[8] mapa mundi de fontes de spam geo-referenciadas (24 h / 24 h) em  http://postini.com/stats/world-spam-2048.jpg

[9] http://feeds.searchenginewatch.com/searchcast

[10] Como se não bastasse os programas de notícias tentarem ser entretenimento agora até as apresentações tecnológicas têm palhaços.

[11] Uma capitalização de mercado de 113 milhares de milhões de USD é demais! E as acções nunca voltaram a estar tão altas como a 11 de Janeiro de 2006 (Fonte: Factiva), mas também disponível em http://money.yahoo.com

[12] Apesar de toda a tecnologia é sempre necessário um Engº Sarmento que vá fazer o reset a alguma coisa?

[13] Claro que é atingível por ataque de dicionário (mas dicionário de que lingua? Viva? Morta? Artificial? Humana?)

[14] Ao identificador é associada a imagem da traseira do meu automóvel, é gravada e ficará em memória de algum data center até voltar a sair em Lisboa e a transacção ter sido aprovada pela SIBS e creditada na Brisa

[15] Sabe também que o velocímetro do carro está aldrabado em 5% e que quando o fabricante apregoa o consumo aos 100 Km a 120Km/h está na verdade a apregoar os litros aos 100 a 112 Km/H.

[16] E também porque a tecnologia de elearning da ESEIG também está no estado em que está.

[17] A Tecnologia que permite que ninguém na China  saiba de Tianamen pode ser usada para impedir que ninguém no mundo saiba de qualquer outra coisa. E tanto a Google Inc como a Cisco são parte do controle que o governo chinês exerce. E querem ainda mais poder, com ose pode ver em http://apnews.excite.com/article/20060611/D8I5MPN80.html

[18] HUXLEY, Aldous

[19] ABRAM, Stephen  e  LUTHER, Judy  Born with the Chip, Library Journal,Maio 2004; http://www.libraryjournal.com/article/CA411572.html

[20] Apud em  STONE, Linda, apresentação intitulada “Attention” na Conferência SuperNova 2005 (http://radar.oreilly.com/archives/2005/06/supernova_2005_2.html)

[21] Ainda hoje o 4º link que o google apresenta para o meu nome pode ser considerado causa de litígio para muitos empregadores, apesar de ser de um Julio Anjos que já não existe.

[22] Apesar de os jornais continuarem sem perceber que não estão a competir com os 99.9% dos bloggers que escrevem mal ou sofrivelmente, mas com o 0.1% que escreve muito bem, o que considerando os números da technorati de hoje (12 de Junho de 2006) de manhã corresponde a 44.100 bloggers com acesso a toda a população da internet (sem requerer aquele registo grátis mas obrigatório que agora impera em vários sites de jornais)

[23] http://www.craigslist.org/about/cities.html

[24] http://sla.learn.com

[25] http://library2.0.alablog.org/

[26] http://ocw.mit.edu/

[27] A TSF do Marconi, não a do Jorge Perestelo

[28] GIBSON, William

[29] CLARKE, Arthur C – Aliás a 1ª pessoa a conceber a ideia do satélite de comunicações e qual a órbita necessária.

[30] CLARKE, Arthur C – The fountains of Paradise

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